Identificar os principais desafios e alternativas para a despoluição das praias nas Baías Norte e Sul foi uma das principais provocações da audiência pública promovida pelo Parlamento, através da Comissão de Turismo e Meio Ambiente.
O evento, que aconteceu na noite de quarta-feira, dia10, no IFSC Campus Continente, reuniu lideranças comunitárias, autoridades políticas, ativistas ambientais e populares.
A iniciativa foi do presidente da Comissão, deputado Marcos José de Abreu, o Marquito, que destacou a importância do debate e a busca de soluções para esse desafio ambiental. Segundo o deputado, a audiência foi motivada após denúncia da Pró-Coqueiros sobre as manchas e forte cheiro de esgoto na orla da região de Coqueiros, em março de 2024.
Também as demais praias do Continente e de São José foram atingidas pelas manchas, identificadas pelos órgãos responsáveis como uma proliferação de microalgas que causou – ainda – a mortandade de peixes.
“O esgotamento sanitário é um dos principais problemas catarinenses”, avaliou. “Queremos assim compreender e discutir a balneabilidade e as condições de contaminação das praias que contemplam as Baías Norte e Sul, que percorrem a Grande Florianópolis, em especial, Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu”, ponderou o parlamentar.
Ele destacou que a Comissão de Turismo vem discutindo temas importantes para a sociedade catarinense. “E essa pauta é fundamental. Queremos detectar as causas da poluição das Baías Norte e Sul e quais os impactos dessa poluição para a maricultura, pesca, unidades de conservação, comunidades tradicionais e para a qualidade de vida dos moradores”, observou, destacando que é preciso definir as medidas efetivas para a despoluição.
“Há algum projeto em andamento para a despoluição”, questionou Marquito, avaliando que essa audiência pública busca sanar essas dúvidas e construir alternativas efetivas para esse grave problema.
Praias Impróprias
Os relatórios de balneabilidade do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, órgão ambiental responsável por pesquisas e proposição de políticas públicas, mostram que as muitas praias localizadas nas baías estão impróprias desde a década de 1990.
No ano de 2023, as praias de Guararema, ponto 1; do Jardim Atlântico, ponto 1; do Balneário, ponto 2; do Matadouro, ponto 3, ficaram impróprias por 12 meses.
Já as praias da Saudade, ponto 4; do Meio, ponto 5; do Itaguaçu, ponto 6; das Palmeiras, ponto 7; do Bom Abrigo, ponto 8, em média, permanecem impróprias durante metade do ano.
Além disso, outro dado importante que atesta a amplitude do desafio da falta de esgotamento sanitário em Santa Catarina. O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC) mostrou que 52% dos 295 municípios catarinenses não têm um sistema público de esgotamento sanitário.
Os dados são referentes a um processo que leva o esgoto das casas até um local de tratamento adequado. O estudo foi apresentado em janeiro deste ano. O número de 52% representa 153 municípios do estado.
Representante dos pescadores
Integrante do Fórum de Pescadores e Pescadoras das Baías Sul e Norte de Florianópolis, que representa 3000 pescadores, João José de Andrade foi a voz da comunidade e defendeu um projeto amplo para a despoluição das baías. Ele disse que as baías estão sendo contaminadas por esgotos regulares e pelas estações de tratamento que também lançam produtos químicos nas águas.
“A nossa preocupação é com esses produtos e com os seus impactos. Deixaram a cidade inchada, sem planejamento. Agora estamos correndo atrás para resolver”, avaliou, ao criticar o nova Marina que está sendo projetada na Beira-Mar Norte que, segundo ele, vai trazer sérias consequências à vida marinha.
Com 76 anos de idade, João José lembrou que costumava tomar banho na Praia da Saudade e não esqueceu de elogiar a Associação de Moradores de Coqueiros- a Pró-Coqueiros – que motivou a audiência. Destacou também a preocupação dos pescadores com o uso das sacolas de plástico. “Tiramos de 20 a 30 sacolas por dia jogadas na tubulação”, disse.
João integra ainda o movimento SOS Baía Sul e o Conselho da Resex Pirajubaé. Ele se mostra contrário à construção de um emissário submarino pela Casan, que são sistemas de disposição oceânica, destinados a lançar os esgotos sanitários no meio marinho, afastando-os da costa e visando aproveitar a grande capacidade de depuração do oceano, em função de seu enorme volume de água. “Tem que ser bem avaliado e projetado”, observa.
Representante da UFSC
A professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Alessandra Fonseca, coordenadora institucional do Programa Ecoando Sustentabilidade na UFSC, avaliou que para melhorar a balneabilidade das Baías Norte e Sul é preciso realizar um planejamento, observando a capacidade desse ecossistema.
“Esse ambiente está sofrendo há décadas de intervenções aleatórias. É preciso definir áreas estratégicas, que são áreas de conservação. Estamos em uma cidade com um cenário de mudança climática, que tem aumento do nível do mar, aumento dos eventos extremos de chuvas e de calor”, observou.
Para ela, é fundamental olhar para um planejamento de cidade que depende da natureza. “Somos uma cidade, uma região, que depende da natureza. Por isso, temos que edificar um planejamento com um olhar voltado para a importância da natureza para a nossa vida e região”, afirmou.
A falta de planejamento e de cuidado com o meio ambiente nos últimos 30 anos nos trouxe para esse lugar, inclusive a falta de saneamento adequado. Precisamos planejar e cuidar dos próximos 30. “Uma natureza saudável deve ser a base de qualquer planejamento, sem essa base não tem pesca, não tem turismo, não tem água limpa”, afirmou a professora Alessandra.
Ela destacou que deve ser levado em conta também as mudanças climáticas que, segundo a professora, já é responsável pela grande mortandade de berbigão devido à onda de calor. E outra preocupação é com o microplástico consumido pelas espécies marinhas. “Os peixes ainda tiramos o seu estômago para comer, mas e a ostra?”, questiona.
Manifestações
Entre as manifestações dos populares, a principal preocupação é com a urgência de obras estruturantes para o esgotamento sanitário. O professor Paulo Horta disse que saneamento básico é questão de direito alienável. “Não temos mais tempo. É uma irresponsabilidade organizada por décadas. O saneamento básico tem que ser prioridade das gestões públicas”, defendeu.
O turismólogo e ex-aluno do IFSC, Gelson Vieira, disse que é necessário valorizar esse movimento em prol da natureza da região. “Quem foi convidado e não compareceu a esse debate, não merece a nossa confiança e crédito”, disse.
Investimentos
O engenheiro e superintendente Regional de Negócios da Casan da Grande Florianópolis, Filipe Alcioní Silva, prestou contas e apresentou os investimentos realizados pela empresa na região. Ao total, mais de um bilhão de reais estão sendo investidos pela empresa na Grande Florianópolis”, informou.
Na sua manifestação, Silva disse que a Casan investiu na modernização e ampliação de quatro dos Sistemas de Esgotamento Sanitário que correspondem a um aumento de 17% na cobertura da capital, hoje em torno de 58%.
A primeira obra entregue foi a da ampliação do SES Ingleses, com a inauguração da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Foram atendidos os bairros Ingleses e Santinho, com investimento de R$ 112 milhões. A outra obra que será inaugurada é a ETE João Paulo, como parte da ampliação do SES Saco Grande. Orçada em R$ 129 milhões, a ampliação vai acontecer de forma gradativa até o fim de 2024 para bairros da região Norte da Ilha.
Em andamento também estão a modernização do SES Insular na região central (R$ 193 milhões), prevista para o primeiro semestre de 2025, e a implantação do SES Campeche com a ETE Rio Tavares no Sul da Ilha (R$ 92 milhões).
A Companhia ainda planeja o investimento futuro em três sistemas na capital para atingir a meta estabelecida junto à prefeitura municipal de 90% de cobertura até 2028. No Norte da Ilha, são duas obras: a ampliação da rede do já existente SES Costa Norte para os bairros de Vargem Grande, Daniela e Ratones, no valor de R$ 150 milhões, e a implantação do SES São João do Rio Vermelho, orçada em R$ 130 milhões com uma nova ETE.
Já para o Sul da Ilha, está previsto o SES Pântano do Sul, também com ETE próprio e investimento de R$ 50 milhões. Para ele, essa audiência pública é importante para ouvir a comunidade e sentir suas necessidades, minimizando as dúvidas e trazendo esclarecimentos. “Juntos podemos chegar a um ponto de equilibrio”.
Representante do Ministério Público Federal
A procuradora Analucia Hartmann disse que o meio ambiente é um direito de todos e o nosso maior patrimônio. “O poder público tem o dever de proteger o meio ambiente e arrumar soluções: precisa ser priorizado e ter recursos”, afirmou, ao acrescentar: “não se tem levado em consideração os efeitos das mudanças climáticas para os planejamentos urbanos”.
“Não consigo entender como chamar os turistas com esse cheiro forte de esgoto nas praias. É falta de vontade política para melhorar o ecossistema. Recursos têm, exemplos não faltam: são viagens, obras de engordamento das praias, entre outras”, observou, ao completar: “O crescimento urbano desordenado tem que acabar, o próprio Plano Diretor incentiva o aumento de ocupações”.
Lembrou que a privatização não é a saída pra resolver o problema, caso a solução da Prefeitura de Florianópolis seja romper o contrato com a Casan. Citou como exemplo a ineficiência desse recurso nos municípios de Joinville e Palhoça, esse último que acabou em caso de corrupção interna da empresa. “O Rio da Madre e da Guarda do Embaú não têm sistema de esgoto”.
Em Governador Celso Ramos, das 16 praiais, só Palmas tem estação de tratamento. Então, completa, é zero por cento de tratamento de esgoto público. “Estamos numa encruzilhada, ou se faz o mínimo para o futuro do Planeta, ou será o caos”, aponta.
Principais Encaminhamentos acatados pela audiência:
– Detalhamento do Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro;
– Zoneamento ecológico e econômico;
– Modelo de aterro que será feito na continuidade da Beira-mar continental, em Fpolis e São José;
– Casan escutar a comunidade sobre as obras de ETE, priorizando a parte ambiental e não só técnica;
– Ampliação dos pontos de Coleta de análise de balneabilidade pelo IMA;
– Fiscalização mais apurada das elevatórias e interceptores da Casan nas regiões das baias.
– Grupo de trabalho em conjunto com a Bancada da Grande Florianópolis para pensar ações de saneamento básico.
DEPOIMENTOS MORADORES DE COQUEIROS
“Já participei de Audiências Públicas na Câmara Municipal e na ALESC. Pela primeira vez participo de uma Audiência organizada pelo Poder Legislativo Estadual fora de seu espaço oficial. Só me dei conta que não era uma simples reunião quando percebi que Protocolo e Regimento precisavam ser observados e que havia uma equipe do cerimonial (não sei se é este o nome) orientando o deputado Marquito na condução da Audiência.
Como moradora de Coqueiros e como colaboradora de Associações de Bairros, integrante de grupos de discussão e de ações voluntárias, quero registrar meu aplauso por este raro acontecimento do dia 10/07/24, nas dependências do IFSC de Coqueiros. É um marco histórico e prenúncio de um novo tempo: do diálogo respeitoso e fraterno entre gestores, legisladores e população interessada no tema.
A Pró-Coqueiros está de parabéns por ter sido a “provocadora” desta Audiência Pública seguindo o seu habitual comprometimento com ações que beneficiam a coletividade da Região”. Elaine Otto, aposentada.
“Parabéns, sim, foi lindo. Sensação de pertencimento que não estamos sozinhos. Uma cidade boa é uma cidade para todos, onde as associações são ouvidas, a população é respeitada.
Agora precisamos cobrar para que o Plano Municipal de Saneamento Básico das cidades vizinhas seja cumprido à risca. Incluindo a capital”. Maristela Costa, Pedadoga.
“Mas vale lembrar que a Audiência só aconteceu porque o deputado Marquito abraçou a causa, um político fora da curva e totalmente alinhado com as causas sociais e ambientais. Nunca tivemos um outro deputado estadual com esse perfil.
Foi importante por diversos aspectos, principalmente o mais prático, que foram os vários encaminhamentos, todos terão que ter resposta e ação, por força legal.
Fora a visibilidade ao tema e a demonstração de força e prestígio da Associação de Moradores de Coqueiros por conta dos diversos vereadores, candidatos e autoridades presentes”. Kiko Bungus, vice-presidente da Pró-Coqueiros.
Texto: Valquíria Guimarães (Agência AL)
Texto: Sibyla Loureiro (Folha de Coqueiros)
Fotos: Fotos: Rodolfo Espínola / Agência AL
Segue o link da audiência:
Segue o link da audiência: https://youtu.be/y3OZbFTb66U?si=2FGsQm_9TI8Pmm9H
FOTOS LEONARDO CONTIN
Professora Alessandra (segunda da esq. para dir.), procuradora Analucia Hartmann (de óculos) e demais lideranças femininas mostraram a sua força na audiência.
Deputado Marquito, presidente da Comissão, recebeu os agradecimentos das lideranças de Coqueiros e do professor Paulo Horta (primeiro da dir. para esquerda) pelo importante assunto debatido.